8 de setembro de 2009

A república dos Drs, ou o país do faz de conta

Há um hábito bem enraizado no nosso pais que muitas vezes conduz a diálogos patéticos e preocupantes: o tratamento das pessoas pelos seus (muitas vezes pretensos) títulos académicos.
Comecei, como provavelmente todos vós, a ter contacto com essa realidade quando fui para o ciclo (hoje os 5º e 6º anos) e passei a tratar os professores por “setores”. Mas vá lá, “setor” sempre é mais engraçado que “sotor” (como se diz na TV) ou Senhor Dr. E, pelo menos, nós éramos tratados por “tu” e pelos nossos nomes. Mas sempre me intriguei porque não devia continuar a chamar “professor” aos professores, coisa que felizmente pude voltar a fazer na universidade.

Se as pessoas têm nome, porque raio não podem ser tratadas simplesmente pelo seu nome? Mas há pior, há quem se trate apenas pelos pretensos títulos, omitindo o nome. “O Dr. está em reunião...” ou “Oh Dr., deixe-me dizer-lhe que não posso concordar totalmente consigo devido ao parecer do Dr.” (apontando para o lado) ou ainda “Dr., não me diga que o Dr. não o avisou que estaria todo o dia ocupado em reuniões??”. Digam-me lá se não é ridículo!! E, sobretudo preocupante...

Eu, aliás, até sempre gostei de chocar estas pessoas com uma simples comparação: “tivessem os nossos mundos empresarial, politico ou judicial a mesma qualidade do nosso futebol e nós estaríamos no TOP 10 da Europa”. Isto caía que nem uma bomba quando falava para altos quadros, e eu adorava ver as suas expressões mudarem da incredulidade à preocupação. Às vezes, no meio de reuniões apetece-me dizer a algumas pessoas: “mas afinal para quê tanta vaidade? Quem são vocês no contexto mundial? O que fizeram para ajudar o nosso país, para o desenvolver, para o tornar mais competitivo, para o tornar mais justo e equilibrado, para lhe dar uma imagem positiva e moderna, para o tornar num pais de campeões?” E ainda dizem que o Cristiano, o Mourinho ou o José Saramago são vaidosos... não são é falsos humildes, ou seja, não são hipócritas.

Felizmente, nas muitas centenas de contactos internacionais que mantive enquanto vice-presidente da YDreams, raramente me deparei com semelhante parolice. Em Espanha, por exemplo, era quase sempre recebido com um acolhedor “Hola Eduardo! Como estás?”, logo no primeiro contacto e independentemente do cargo do meu interlocutor. Reino Unido, Suécia, Finlândia, Holanda, Dinamarca, Itália, Estados Unidos são outros bons exemplos de ambientes despretensiosos, onde as pessoas valem pela sua carreira e resultados e não apenas por terem nascido filhos de alguém ou terem tirado um curso.

Não posso terminar este post sem vos dizer que conheci até hoje muita gente fantástica em Portugal, tão boa ou melhor que a maior parte dos estrangeiros com quem trabalhei. Mas esses sempre me trataram por... Eduardo.

3 comentários:

cidadao vagamundo disse...

Um reparo curioso. Um dos pormenores que me marcou numa palestra que deu ha uns anos no IST foi logo no início alguem lhe perguntar "erm.. o sr.. o sr eng.. erm.. como o posso/devo tratar?" ao que respondeu "trate-me pelo nome".

No mesmo dia tinha já assistido a uma palestra sobre WiMAX dada por alguem que mostrou uma atitude completamente oposta. Termos caros, senhor eng para aqui e para ali, pastilhinha na boca e atitude "eu sou o maior", e no final, sinceramente não retive grande coisa daquilo. Foi o "faz de conta".
O mesmo não aconteceu com a sua palestra, que como já aqui disse, apesar de curta, foi das melhores que assisti até hoje.

Rik disse...

É exactamente uma das questões que me irrita mesmo nas empresas portuguesas, não digo que todas são assim, mas actualmente estou a trabalhar com pessoas que são assim, e digo-vos que é horrível. Pergunto-me, o que vai na cabeça dessas pessoas? É assim tão importante para elas o "Doutorismo"?? Ou será que é para lhes lembrar-mos que afinal são Drs? :P
Pois muitas vezes não parece...

Helena Romão disse...

Os outros países também têm manias...
Os franceses, com as mulheres — os homens são sempre Monsieur — querem primeiro saber o estado civil, depois o apelido (que é basicamente o nome do dono) e se tiverem tempo para a terceira pergunta, lá indagam sobre o primeiro nome.
Os anglo-saxónicos pelo menos inventaram o Ms...

Entre saber o curso ou o estado civil, venha o diabo e escolha.
Eu pessoalmente nunca achei piada nenhuma ter que andar a declarar o estado civil a pessoas que nunca tinha visto, só para cumprir a apresentação habitual.

Parece-me que nas redondezas os menos complicados são os espanhóis.